Quando
eu tinha nove anos de idade, eu era proprietária de uma grande
fazendinha de insetos. Exibia orgulhosa o meu criadouro de aranhas,
baratas, escorpiões e vários outros artrópodes que a fauna
brasileira me proporcionava. Eu os organizava em pequenos aquários e
caixas, dedicando todo o meu tempo livre ao projeto.
Como
toda boa criança do final dos anos 90, nomeei as minhas baratas em
homenagem aos jogadores da seleção brasileira. Eu as deixava ora
separadas em compartimentos individuais, ora acompanhadas de outras
baratas futebolísticas – afinal de contas, ninguém gosta de
passar tanto tempo sozinho.
Para
a minha surpresa, muitos desses encontros casuais resultavam em
filhotes de baratas – o que me forçava a trocar a etiqueta
identificadora com o nome “Bebeto” para “Bebeta” (ou
“Romária”, vai saber). Eu me satisfazia por completo em observar
como as coisas aconteciam, e não me incomodava de ler por horas a
fio sobre o mesmo assunto.
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OMG FILHOTINHOS! |
Poucos
meses depois, eu tive um problema sério de saúde e precisei doar
minha coleção para um amigo. Foi um sufoco: meus pais viajaram
comigo às pressas para outro Estado e lá mesmo eu fui operada. Por
sorte, deu tudo certo, e algumas semanas depois eu estava de volta.
No
entanto, já não era a mesma coisa. Como eu precisei me afastar do
colégio por um tempo, foi necessário que eu compensasse as lições
escolares perdidas ainda em casa. Eu sempre gostei muito de estudar,
então aquilo não era um problema para mim. Porém, quando eu olho
para trás, me pergunto se não foi a partir daquele momento que as
coisas começaram a mudar.
…
Os
últimos vinte anos passaram como um sopro. Eu cresci, o meu amigo
dos insetos também cresceu e Bebeta há muito está in memoriam.
O tempo passou tão rápido, e nós crescemos tão ligeiro que,
inclusive, perdemos o direito de usar a palavra “crescer” –
agora, só nos resta envelhecer.
Ao
mesmo tempo que nascemos com a certeza de que vamos morrer, nos
acostumamos a viver assombrados com a ideia de envelhecer. Aos
poucos, começamos a pisar no freio e dizer a nós mesmos que estamos
“velhos demais”. Apesar de não existir nenhum critério objetivo,
conseguimos nos convencer cegamente de que existe essa linha
imaginária tracejada que, uma vez ultrapassada, não há mais volta.
É tarde demais.
Já
do outro lado dessa linha, vamos nos tornando cada vez menos
espontâneos. Para que iniciar aquela aula de krav magá
se você matricular naquela academia baratinha perto de casa, não é
mesmo? Ela é tão mais segura, tão mais conveniente, tão mais
prática – tão mais entendiante e tão mais absolutamente péssima.
Estamos
tão habituados a viver no modo automático que conseguimos acreditar
que a vida tem que ter esse eterno tom pastel. Com pequenas doses
diárias de mediocridade, vamos nos embriagando e nos conformando que
as coisas têm que ser
assim mesmo.
Quando
temos breves momentos de lucidez e conseguimos ver relances do que
deixamos do outro lado do “tarde demais”, o inconsciente vai lá
e nos puxa de volta. O nosso alarme autossabotador é acionado, e
imediatamente todos os pensamentos que gorjeavam voltam para as suas
gaiolas. Nossa mente volta ao silêncio, e voltamos ao modo
automático.
…
Vinte
anos se passaram. Dez anos de escola, cinco de faculdade, dois de
especialização e três de trabalho. Vintes anos se passaram, eu
envelheci e, até hoje, o meu projeto de maior sucesso foi executado
no auge dos meus nove anos. E como bem lembrou Casimiro de Abreu, a
aurora da minha vida e a minha infância querida os anos não trazem
mais.
E
que assim seja. Minha infância foi tão generosa comigo que, duas
décadas depois, é a lembrança daquele momento que me despertou a
coragem de recomeçar. Precisei percorrer todo esse caminho e
vivenciar tudo que vivenciei até hoje para, enfim, apagar com meus
pés a linha imaginária que me impedia de ser quem eu sei que eu
posso ser.
Acho
engraçado pensar quão mais benevolentes seríamos uns com outros se
nunca parássemos de usar o verbo “crescer”. Penso que
poderíamos, quem sabe, firmar um acordo silencioso, no qual
trocaríamos o verbete “envelhecer” por “crescer” e, juntos,
cresceríamos todos até o final das nossas vidas.
A
você, seja lá quem for, desejo-lhe sorte.
Você descreveu exatamente o que sinto com o meu plano Canadá. Hoje com 32 anos me via em cima da linha imaginária, mas tirei a coragem de voltar pros meus 15 anos...
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